SOBRE EL "MANIFIESTO COMUNISTA"

¿Qué tienen en común el Anarquismo y el Comunismo? ¿Qué separa y une a estas dos formas de organizar la sociedad? ¿Nuestro fin es el mismo? Stalinistas, leninistas, marxistas y marxistas libertarios. ¿En qué se diferencian entre sí? ¿Y en qué se parecen?
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subversivo
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Mensaje por subversivo » 27 Sep 2004, 01:12

hola comunista, me gustaría tú (o quien sea) que creo que sabes bastante sobre marxismo, y por lo tanto de comunismo... ¿Podrías explicarme qué coño significa eso de marxismo libertario y las diferencias con el marxismo ortodoxo?

Es que lo he visto escrito millones de veces... Lo describen como si fuera la hostia pero todavía no he conseguido enterarme del todo... Creo que hay más de una diarrea mental por ahí de cuidado.

Salud
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Karateka
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Mensaje por Karateka » 27 Sep 2004, 16:23

COMUNISTA hace tiempo que no para por aqui...

Invitado

Mensaje por Invitado » 09 Ene 2005, 21:14

CRÍTICA AO ANARCO-MARXISMO
Contra Nildo Viana e a Deformação do Marxismo*
Carlos Moreira

O pensamento de Marx e Engels e de seus seguidores obtiveram inúmeras interpretações e deformações no decorrer de sua história. Hoje, com a crise do "socialismo real" e a ofensiva ideológica da burguesia, o marxismo é recusado por uns e deformado por outros. A tendência atual mais forte é a deformação anarquista do marxismo. Esta, obviamente, não nasceu hoje e possui uma longa tradição mas é agora que ela tende a fortalecer-se. Pretendo realizar, neste texto, uma crítica a esta forma específica de deformação do marxismo: o anarco-marxismo. Farei isto a partir da análise de dois artigos de um jovem anarco-marxista brasileiro (1).
Na verdade, nenhum dos "anarco-marxistas" se denominam como tal. Geralmente se intitulam "marxistas libertários", "anarquistas", "socialistas libertários", "comunistas libertários", "comunistas conselhistas", "marxistas autogestionários" ou simplesmente "marxistas". O anarco-marxismo tem duas fontes principais: uma surge no seio do anarquismo e busca enriquecer-se com a teoria econômica marxista e outra surge do seio do marxismo, buscando no arsenal anarquista os fundamentos para uma crítica da política.
A primeira fonte do anarco-marxismo nos trouxe representantes renomados. Já se disse, por exemplo, que o próprio Bakunin era "marxista" pois aceitava a doutrina do "materialismo histórico". Entretanto, a ênfase colocada na destruição do poder e na ideologia que o coloca como o "núcleo" autônomo da dominação e exploração, deixa Bakunin longe demais do marxismo para ser considerado anarco-marxista. Os dois representantes clássicos do anarco-marxismo, que saíram do campo do anarquismo, são, sem dúvida, Pierre Ansart e Daniel Guérin. Pierre Ansart, o autor de Marx et Anarchisme, busca aproximar Marx de Proudhon através de seus "pontos comuns". Daniel Guérin realiza uma crítica do "jacobinismo leninista-stalinista" e busca criar uma síntese das teorias de Marx, Rosa Luxemburgo e de Trótski, em seu período anti-bolchevista, com os clássicos do anarquismo: Bakunin, Proudhon, Malatesta, Kropotkin, Max Stirner, entre outros. Eric Vilain, outro anarco-marxista, busca integrar o marxismo no marxismo, uma parte, a considerada mais inofensiva aos princípios anarquistas, do edifício teórico marxista: a crítica da economia política. Segundo Vilain: "ora, O Capital não chega a nenhuma conclusão em matéria de estratégia política, modo de organização, programa; atesta simplesmente o fracasso de todas as tentativas da burguesia de restaurar o sistema e vedar as brechas" (2).
A segunda fonte do anarco-marxismo sai do campo do marxismo e se fundamenta na obra de Rosa Luxemburgo, acusada por muitos marxistas de ser uma "anarquista". A crítica feroz de Rosa Luxemburgo ao bolchevismo e o seu espontaneísmo a colocam como a primeira e mais moderada dos anarco-marxistas. Os chamados "comunistas conselhistas" radicalizaram o anti-bolchevismo e o espontaneísmo do luxemburguismo e acrescentaram a negação completa dos partidos e sindicatos juntamente com um anti-sovietismo que chegou ao extremo de caracterizar a sociedade soviética como "capitalista".
O anarco-marxismo de origem anarquista busca incluir em sua doutrina a teoria econômica de Marx e o de origem marxista busca integrar em sua doutrina a negação da política presente nos clássicos do "socialismo anarquista". Essas tentativas foram alvos de críticas tanto de anarquistas quanto de marxistas que recusaram o ecletismo deformador de ambas as doutrinas. Lênin não perdoou os "comunistas de conselhos" e lhes fez uma crítica desapiedada, em O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo", assim como respondeu às críticas de Rosa Luxemburgo. Do lado do anarquismo, embora sem o brilhantismo de Lênin, Maurice Joieux condenou a tentativa eclética de Daniel Guérin e refutou, do ponto de vista anarco-sindicalista, as teses de Rosa Luxemburgo e do comunista conselhista Anton Pannekoek (3).
Os fundamentos políticos do anarco-marxismo são: a) união de concepções anarquistas e marxistas; b) espontaneísmo fundado no economicismo; c) negação do papel da vanguarda, seja expressa no partido ou no sindicato; d) negação das experiências socialistas e da experiência da revolução bolchevique; e) identificação do comunismo com a autogestão; f) negação da necessidade de um "período de transição" entre capitalismo e comunismo; g) negação de um "estado de transição" e defesa da "destruição do estado" de forma imediata; h) negação de qualquer forma de participação na "democracia burguesa"; i) seleção de obras de Marx e Engels e de teóricos marxistas "aceitáveis" pela doutrina.
Pretendo demonstrar que estas teses estão presentes em um anarco-marxista brasileiro e posteriormente irei refutá-las. Trata-se do anarco-marxista Nildo Viana, que não esconde os teóricos em que se baseia: Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Daniel Guérin, Karl Korsch, Anton Pannekoek, Paul Mattick, Otto Rühle, Helmutt Wagner, entre outros. Ele se filia explicitamente à tradição anarco-marxista. A sua simpatia pelo anarquismo revela-se claramente nos seus textos: "Após Marx, foi Rosa Luxemburgo quem se baseou no movimento real dos trabalhadores para elaborar sua teoria revolucionária. Rosa, ao observar a explosão de greves de massas em vários países e principalmente na
Rússia Czarista, definiu-as como a arma política mais poderosa do proletariado. O que era "tese anarquista" foi retomado por Rosa Luxemburgo como força universal da luta operária" (4). A "incompreensão de Trótski" do papel do anarquismo na Guerra Civil Espanhola levou-o a uma prática política equivocada e isto provocou o seu rompimento com Victor Serge e outros militantes (5). Estas afirmações deixam claro a positividade que o autor vê no anarquismo. Na verdade, o que ele busca fazer é recuperar a crítica da política realizada pelo anarquismo e integrá-la na teoria geral de Marx e Engels, juntamente com a dos outros anarco-marxistas.
A classe operária, segundo tal autor, é o sujeito histórico que cria o comunismo. Portanto, é no movimento real dos trabalhadores que se pode observar como isso ocorrerá. Mas onde está a fundamentação de tal afirmação, ou seja, quem disse que o comunismo é criação dos trabalhadores? Segundo Nildo Viana, seguindo Marx em A Miséria da Filosofia, a classe operária devido sua condição econômica de classe cria interesses comuns e também a consciência destes interesses. A classe trabalhadora faz a revolução espontaneamente devido sua condição determinada pelo modo de produção. O espontaneísmo está fundamentado numa concepção economicista. Segundo ele, "o comunismo se fundamenta na produção" (6).
Se a classe operária faz sua revolução espontaneamente, então torna-se desnecessário o papel da vanguarda, do partido político, do sindicato. A revolução não é tarefa de partido político e os sindicatos são propícios à burocratização. A classe se liberta por si mesma e os partidos e sindicatos exercem geralmente uma ação conservadora sobre as massas (7).
Neste sentido, a revolução russa realizada pelo partido bolchevique não pode ser considerada uma revolução socialista. Segundo Nildo Viana, "o bolchevismo é uma expressão ideológica do atraso da Rússia Czarista" (8). O que a revolução bolchevique fez foi implantar um "capitalismo de estado". Portanto, não existem sociedades socialistas no mundo.
Se não existe socialismo no mundo, resta então a pergunta: o que é o socialismo? Segundo Nildo Viana, o socialismo é autogestão, tal como demonstra as experiências históricas do movimento operário (Comuna de Paris, Revolução Russa, Revolução Alemã) que esboçaram, mas nunca cristalizaram, a nova sociedade. Baseando-se em Pannekoek, o nosso autor diz que o poder estatal será destruído e substituído pelos conselhos operários e, por isto, não haverá "período de transição" e nem "estado de transição". A passagem do capitalismo ao comunismo se dá diretamente.
Diante deste conjunto de idéias percebe-se muito pouco qual é o papel dos revolucionários e teóricos de esquerda e quais são as formas de ação política que eles podem desempenhar. Sobre esse ponto Nildo Viana é extremamente vago e limita-se a dizer que cabe à esquerda "formar um 'bloco histórico revolucionário e incentivar a auto-organização das massas através de conselhos de fábrica, comitês de bairros, etc. e, com isso, destruir o estado burguês e sua 'democracia' construindo a autogestão social, a única forma possível e verdadeira de democracia" (9).
Vê-se, aqui, a negação da participação na democracia burguesa e a proposta de sua destruição como condição para a implantação da autogestão.
Essas teses se baseiam nos escritos de Marx que são preferidos pelos "marxistas idealistas": os escritos de juventude. Coloca-se a ênfase em textos como os Manuscritos Econômico-Filosóficos, Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, entre outros. Os textos do "Jovem Marx" são complementados pelos "escritos da maturidade" mas levando-se em conta apenas os seus aspectos econômicos (aqui Nildo Viana faz tal como os anarquistas do tipo Bakunin e Vilain). Daí a necessidade de afirmar que entre o "jovem Marx" e o "Marx da maturidade" não houve nenhuma ruptura, pois é para justificar o primeiro que se usa as teses do segundo. Como coloca Nildo Viana, nos escritos do "Marx da maturidade" apresenta-se uma "teoria do capitalismo e da revolução proletária" e nos escritos de juventude apresenta-se uma "teoria da alienação", ou seja, num caso temos o "elemento passivo" da revolução (o modo de produção capitalista e suas contradições) e noutro temos o seu "elemento ativo" (a alienação humana e a necessidade de sua superação). Em uma palavra: seleciona-se os textos econômicos de Marx, para lhe dar um caráter economicista, complementado-os com os escritos de juventude, para assim poder justificar o espontaneísmo (10). Estes textos selecionados são complementados por escritos de anarco-marxistas como Rosa Luxemburgo, Anton Pannekoek, Paul Mattick, Karl Korsch, Daniel Guérin, entre outros.
Se até agora me limitei a comprovar o caráter anarco-marxista das teorias de Nildo Viana, agora passarei a fazer a sua crítica. A sua tese de que o pensamento de Marx atravessou três fases que significam um aprofundamento dele, tem como base (nada mais nada menos) as idéias dos voluntaristas Erich Fromm e Daniel Guérin. Para esses autores, não houve nenhuma ruptura entre o jovem Marx e o Marx da maturidade. Ernest Mandel também rejeitou esta teoria stalinista, mas sem cair nos desvios voluntaristas. Tal concepção da existência de "dois Marxs" foi retomada recentemente pelo estruturalista marxista Louis Althusser e criticada de forma excepcional por Nildo Viana. Mas, o que é uma característica do anarco-marxismo, a crítica poderosa não é acompanhada por uma proposta alternativa satisfatória.
Daniel Guérin utiliza inúmeras citações de Trótski e Rosa Luxemburgo para combater Lênin e o bolchevismo e assim colocar em evidência que a revolução socialista é produto espontâneo do proletariado (11). Mas Nildo Viana se baseia principalmente na teoria da "natureza humana alienada" de Erich Fromm. Este "freudo-marxista" possui algumas semelhanças com o anarco-marxismo em seu pensamento: a) com base na idéia de "natureza humana" adere ao voluntarismo; b) é um crítico de Lênin e o denomina, juntamente com Bukhárin, de "positivista mecanicista"; c) nega o papel do partido político; d) classifica a Sociedade Soviética como um "capitalismo de estado conservador"; e) é a classe trabalhadora, por ser "a mais alienada de todas", que levará à emancipação humana (12).
Ernest Mandel fez uma crítica bastante perspicaz da tese de Erich Fromm sobre a "natureza humana alienada". Segundo Mandel, Erich Fromm confunde a concepção antropológica da alienação contida nos Manuscritos Econômico-Filosóficos com a concepção histórica presente n´O Capital: "Fromm, por exemplo, escreve: 'é de uma extrema importância, para a compreensão de Marx, constatar quanto o conceito de alienação foi e permaneceu o ponto central do pensamento do jovem Marx, que escreveu os Manuscritos Econômicos e Filosóficos e do 'velho' Marx que escreveu O Capital'. Fromm cita, a esse propósito, explicitamente, a idéia de que a alienação, para Marx, implica uma alienação do homem da natureza. Mas é evidente que está completamente ausente do Capital. Igualmente, a tentativa de identificar o conceito de alienação do trabalho dos Manuscritos de 1844 com o conceito de alienação e mutilação do operário, tal como se encontra nas obras ulteriores de Marx, passa, sob silêncio, o verdadeiro problema: a saber, a justaposição de uma concepção antropológica e de uma concepção histórica da alienação nos Manuscritos de 1844 que são lógica e praticamente irreconciliáveis. Se a alienação, verdadeiramente, é fundada na natureza do trabalho e se este é indispensável à sobrevivência do homem - como Marx precisará mais tarde numa carta a Kugelmann - então a alienação jamais será sobrepujada" (13).
Um autor como Nildo Viana, conhecedor de quase todos os escritos de Marx, se equivoca na interpretação de Marx e "seleciona" apenas os textos que fundamentam o seu anarco-marxismo. Mas ele também seleciona os autores marxistas que utiliza. Nega, explicitamente, as contribuições de Kautski, Bordiga, Lênin, Gramsci, entre outros. Seleciona os autores anarco-marxistas e os coloca como os autênticos continuadores do marxismo. Para concluir sua "seleção" e negação dos pensadores acima citados, retoma a metáfora de Heine, utilizada pelo anarquista Alexandre Skirda para ironizar o marxismo: "Marx podia muito bem retomar por sua conta a metáfora de Heine: 'minha infelicidade foi ter semeado dragões e colhido apenas pulgas' " (14). É sintomático que utilize a ironia retirada de uma coletânea de artigos rancorosos e caluniadores de Marx. O anarco-marxismo nunca se torna totalmente marxista.
É com base nesta seleção que Nildo Viana consegue unir marxismo e anarquismo. Trata-se de utilizar a crítica da economia política de Marx (abandonando sua concepção política) e complementá-la com a crítica da política dos anarco-marxistas e dos anarquistas em geral. Acontece que marxismo e anarquismo são inconciliáveis. O anarco-marxismo, esse produto híbrido, é tao ineficaz politicamente que se torna mera "ideologia", distante da prática. A teoria econômica do marxismo fundamenta uma teoria política e ambas são inseparáveis, assim como a negação anarquista da política supõe um conjunto de idéias econômicas que lhe é complementar. Ambos formam um todo coerente e o anarco-marxismo se torna um discurso contraditório, lacunar, incoerente e eclético. Ele acaba não sendo nem marxismo nem anarquismo.
O espontaneísmo com base no economicismo marca uma ruptura com o marxismo. Desde Marx, passando por Lênin, Trótski, Lukács, entre outros, sabemos que a classe operária não adquire, graças às suas condições econômicas de classe, sua consciência de classe espontaneamente (15). A consciência de classe é fundamental para a emancipação operária e sem uma organização revolucionária, o partido político, ela não surgirá.
Mas de onde vem a negação do partido de vanguarda? Vem da confusão teórica que confunde stalinismo e bolchevismo, Revolução Russa e burocratização da URSS. É com base numa análise equivocada da Revolução Russa (uma "contra-revolução burocrática" ou "revolução burguesa", segundo os comunistas conselhistas) que se nega toda uma experiência e tradição revolucionárias. Quais são as causas da deformação do socialismo na União Soviética? É a resposta a esta pergunta que poderá refutar a ideologia anti-bolchevista dos anarco-marxistas (que, aliás, sempre se colocam como simpáticos aos anarquistas na Revolução Russa).
Ernest Mandel já respondeu a esta pergunta: "a resposta histórica a essa questão é que o processo da revolução socialista mundial deve ser separado conceitualmente do da construção acabada de uma sociedade socialista sem classes. De fato, a Rússia não estava 'madura' para o estabelecimento de uma tal sociedade. Até 1924, esse foi o ponto de vista comum de todos os marxistas revolucionários: não apenas de Lênin, Trótski, Rosa Luxemburgo, Bukhárin, Zinoviev, Lukács, Gramsci, Talheimer, Korsch, Radek, etc., mas também de Stálin. Mas o mundo estava maduro para o socialismo. De fato, já no Anti-Dühring, Engels o tomava como um fato garantido" (16).
Portanto, dizer que o bolchevismo é o responsável pela deformação do socialismo soviético é abandonar o método do materialismo histórico, pois isto só é possível separando-se as condições subjetivas das condições objetivas e assim colocar a "culpa" na primeira. Quanto à tese do caráter "capitalista" da URSS, ela é totalmente equivocada, pois para ela ser verdadeira, seria necessário haver o predomínio da lei do valor na URSS, o que não existe (17).
O anarco-marxismo nega explicitamente a necessidade de um "período de transição" e de um "estado de transição" entre o capitalismo e o comunismo. Segundo os anarco-marxistas, e entre estes Nildo Viana, a autogestão cairá do céu por iniciativa do proletariado e de uma hora para outra chegaremos à uma sociedade sem classes, sem estado, sem produção mercantil. Segundo um crítico do anarquismo: "dispensamos as gloriosas experiências de auto-gestão realizadas no mês de maio [o autor se refere à revolta estudantil de maio de 68 em Paris - CM] em tal laboratório, tal instituto universitário, abstração feita de realidades vulgares tais como as relações desse laboratório, desse instituto, com o resto do mundo, com as instituições de crédito, as bolsas, os salários fixados pelo Estado Capitalista... as 'experiências de auto-gestão' de tal pequena empresa, abtração feita de suas relações com o mercado capitalista, os bancos, etc." (18). A autogestão, ou seja, o comunismo, não pode ser implantado de um dia para a noite, é necessário um período de transição e de um Estado de transição que gerencie esta transformação.
O anarco-marxismo também realiza uma crítica feroz à democracia burguesa. Nildo Viana lhe desfere um duro golpe, que tem como principal mérito recusar a ideologia que retira o caráter de classe da democracia burguesa transformando-a em "valor universal" (19). Se Lênin, em O Estado e a Revolução, afirmou que o anarco-marxista Pannekoek estava mais próximo do marxismo que o reformista Kautski, hoje pode-se dizer que o anarco-marxista Nildo Viana está mais próximo do marxismo que o reformista Carlos Nelson Coutinho. Mas tanto reformistas quanto anarco-marxistas exageram suas posições em relação à democracia burguesa. Os reformistas a supervalorizam e retiram seu caráter de classe, elegendo-a como único local da luta política e os anarco-marxistas não conseguem enxergar sua importância para a luta do proletariado (20). Sem dúvida, o anarco-marxismo de Nildo Viana supera tanto o reformismo quanto o anarquismo em sua posição diante da democracia burguesa, pois o reformismo a transforma num fetiche e o anarquismo a critica de forma bastante limitada (21).
Realizarei, a partir daqui, uma crítica geral do anarco-marxismo. Esta corrente, com seus méritos e equívocos, já foi bastante criticada por autores marxistas (22). Antes de tratar de suas limitações, devo me referir às suas grandezas: o anarco-marxismo é extremamente superior ao stalinismo, ao reformismo e ao anarquismo. A sua análise com base na "crítica da economia política" proporciona elementos importantes na compreensão da sociedade capitalista. Partindo desta análise, consegue, ao contrário do revisionismo reformista, observar o caráter revolucionário do movimento operário. De uma forma secundária, contribui com o desenvolvimento do marxismo no campo da política, da filosofia, da economia, da sociologia, etc. Essas são as grandezas do anarco-marxismo.
A principal crítica que se pode fazer ao anarco-marxismo (indo além de questões específicas, tal como a abordagem da Revolução Russa e URSS), incluindo o de Nildo Viana, é a sua incapacidade de teorizar e gerar uma ação política. As concepções políticas do anarco-marxismo (negação dos partidos, sindicatos, democracia burguesa, luta pelo poder estatal) levam-no, fatalmente, à um imobilismo político. A idéia de autogestão imediata produzida pela ação espontânea da classe operária é, para utilizar a linguagem blochiana de Nildo Viana, uma "utopia abstrata" e não uma "utopia concreta". Dessa concepção autogestionária, uma concessão ao anarquismo, surge o imobilismo político. Nildo Viana, assim como todos os anarco-marxistas, faz uma crítica poderosa da sociedade capitalista e de seus ideólogos, mas o problema é que sua concepção política alternativa impede o desenvolvimento de uma prática política revolucionária. Por isto concordo com M. Hájek quando se refere ao "comunismo de esquerda" (um dos nomes assumidos pelo anarco-marxismo, sendo que no caso se trata do comunismo conselhista) como "uma tendência sectária-utópica que tinha sua força na crítica, mas era incapaz de oferecer uma correta alternativa política" (23).





Notas

* Este texto foi produzido e enviado para a Revista Brasil Revolucionário, no ano de 1992, sendo que não foi publicado e nem sequer os responsáveis pela Revista responderam dizendo que o texto não era de seu interesse. Certamente era para proteger um de seus colaboradores. Apesar do texto estar meio "antigo" julgo que ainda tem valor e pode contribuir com o processo necessário de crítica do anarco-marxismo.

1. Na verdade, existe um conjunto de anarco-marxistas no Brasil que possuem elementos comuns convivendo com alguns elementos divergentes, tais como: Maurício Tragtenberg, Fernando Prestes Motta, Lúcia Bruno, Fernando Coutinho Garcia, Nildo Viana, etc. A minha crítica, devido a extensa produção deste conjunto, centrará apenas no último, um jovem representante do anarco-marxismo brasileiro.
2. Vilain, Eric. A Questão Econômica. in: Vários. Os Anarquistas Julgam Marx. Brasília, Novos Tempos, 1986.
3. Joyeux, Maurice. Autogestão, Gestão Direta, Gestão Operária. Brasília, Novos Tempos, 1988.
4. Viana, Nildo. Quem Tem Medo da Utopia? in: Brasil Revolucionário. ano II, n. 7, Dezembro de 1990.
5. veja: Viana, Nildo. A Democracia Burguesa Como Valor Universal. in: Brasil Revolucionário. Ano II, n. 8, Abril de 1991.
6. Viana, Nildo. op. cit. pag. 39.
7. Veja: Viana, Nildo. A Democracia Burguesa Como Valor Universal. op. cit.
8. Viana, Nildo. Quem Tem Medo da Utopia. op. cit., p. 39.
9. Viana, Nildo. A Democracia Burguesa como Valor Universal. op. cit. pag. 18.
10. veja: Viana, Nildo. Do Jovem Marx ao Marx da Maturidade. in: Teoria e Práxis. n. 3, Novembro de 1991.
11. Veja: Guérin, Daniel. O Futuro Pertence ao Socialismo Libertário. Porto Alegre, Prôa, sem data.
12. veja: Fromm, Erich. O Conceito Marxista do Homem. RJ, Zahar, 1983.
13. Mandel, Ernest. A Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx. RJ, Zahar, 1968, p. 169.
14. Skirda, Alexandre. Gênese e Significação do Marxismo. in: Vários. Os anarquistas Julgam Marx. op. cit., pag. 31.
15. Veja: Lênin, Que Fazer? SP, Hucitec, sem data; Lukács, Georg. História e Consciência de Classe. Porto, Publicações Escorpião, sem data.
16. Mandel, Ernest. Além da Perestroika. RJ, Busca Vida, 3a. edição, 1989, pág. 384.
17. Para uma caracterização da URSS, veja: Mandel, Ernest. op. cit.
18. Bloch, Gérard. Marxismo e Anarquismo. in: Bloch, G. e Trótski, Leon. Marxismo e Anarquismo. SP, Kairós, 1981, p. 17.
19. Veja: Coutinho, Carlos Nelson. A Democracia Como Valor Universal. RJ, Salamandra.
20. Mandel esclareceu a positividade da democracia burguesa: "não foi por acaso que o movimento operário esteve na vanguarda da luta pelas liberdades democráticas nos séculos XIX e XX. Defendendo estas liberdades, o movimento operário defendia ao mesmo tempo as condições mais favoráveis para sua própria ascensão. A classe operária é a classe mais numerosa da sociedade contemporânea. A conquistas das liberdades democráticas permite-lhe organizar-se, adquirir a garantia do grande número, exercer um peso cada vez maior na balança das relações de força" (Mandel, Ernest. Introdução ao Marxismo. 4a edição, Porto Alegre, Movimento, 1982, pag. 72).
21. Para ver a superioridade da crítica anarco-marxista sobre a crítica anarquista, compare-se o artigo citado de Nildo Viana ("A Democracia Burguesa Como Valor Universal") e a coletânea: O Anarquismo e a Democracia Burguesa. 3a. edição, SP, Global, 1986.
22. Veja: Hobsbawn, Erich. Karl Korsch. in: Revolucionários. 2a edição, RJ, Paz e Terra, 1985; Lênin, Esquerdismo: A Doença Infantil do Comunismo. 6a. edição, SP, Global, 1986.
23. Hájek, Milos. O Comunismo de Esquerda. in: Hobsbawn, Erich (org.). História do Marxismo. RJ, Paz e Terra, 1985, pag. 97.

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Arrocero
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Mensaje por Arrocero » 09 Ene 2005, 21:19

EDIT: me cayo

Espião

Anticrítica a crítica ao anarco-marxismo

Mensaje por Espião » 09 Ene 2005, 21:24

Marxismo e Anarquismo
A Anticrítica
Nildo Viana

O presente texto é uma resposta a um artigo disponibilizado na Internet, intitulado Crítica ao Anarco-Marxismo – Contra Nildo Viana e a Deformação do Marxismo (1), cujo conteúdo é uma crítica a textos que publiquei no início da década de 90 do século 20. Algumas das teses apresentadas neles já considero superadas, pois foram escritas há dez anos e minhas idéias foram aprofundadas neste período. No entanto, o essencial das teses apresentadas ainda carrego comigo e por isso devo responder ao texto que realiza uma crítica a elas. Lendo tal artigo, logo lembrei-me da polêmica criada em torno dos livros Marxismo e Filosofia, de Karl Korsch, e História e Consciência de Classe, de Georg Lukács. Os dois foram acusados de “idealismo” e “hegelianismo” pelos soviéticos no início da década de 20 do século passado. Lukács, como era sua tendência, acabou voltando atrás e escreveu sua “autocrítica”. Karl Korsch, um revolucionário autêntico, não se intimidou e escreveu sua anticrítica. Eu, filiado à tradição do marxismo revolucionário de Korsch, realizarei aqui também a minha anticrítica.
A primeira crítica de Carlos Moreira ao meu suposto “anarco-marxismo” é de que realizei uma “deformação anarquista do marxismo”. No entanto, para se saber o que pode ser considerado uma deformação do marxismo é necessário, inicialmente, dizer o que se entende por este último. Alguns relativistas defendem a tese de que existem “vários marxismos” e que, portanto, não existem deformações deste (2). Outros, por sua vez, definem o marxismo como o conjunto de idéias fixas reveladas nos escritos de Marx e que por isso não podem ser modificadas, pois isto seria uma “deformação”. Mas, como o capitalismo se transforma constantemente e Marx não possuía nenhuma “bola de cristal”, se tornou necessário complementar a verdade revelada pelos escritos de Marx com os escritos de seus seguidores considerados “clássicos”, ou seja, por Lênin e Trotsky, principalmente. Isto é, para tais ideólogos, “o marxismo”.
A concepção relativista coloca como critério para definir o que é “marxismo” a autodenominação. Quem se diz marxista é marxista. A concepção bolchevista coloca como critério a fidelidade aos escritos sagrados de Marx, Engels, Lênin e Stálin (para os stalinistas) ou Trotsky (para os trotskistas), ou seja, aos “quatro clássicos do marxismo”. Os relativistas poderão refutar os bolchevistas da seguinte forma: para um trotskista, leitor “fiel” de Marx, Engels e Lênin, o stalinismo é uma deformação do marxismo e para um stalinista, leitor “fiel” de Marx, Engels e Lênin, o trotskismo é uma deformação do marxismo. Em uma palavra, dez pessoas podem ler Marx e elaborarem dez interpretações diferentes e portanto não é no “escrito” que se encontra a definição do marxismo e sim na pessoa que o lê. Logo, todos os que se dizem marxistas o são, posto que não existe um critério objetivo para defini-lo (um “marxômetro”).
Mas os bolchevistas podem retrucar aos relativistas: quer dizer então que se Mussolini se dissesse “marxista” ele o seria? Segundo os bolchevistas, isto não só é falso como também é reacionário. Existe um critério para definir o que é o marxismo e quem pode se considerar marxista. Este critério são os escritos de Marx atualizados por Lênin e Trotsky (ou Stálin). Vejamos o que diz Lênin: “quem conhece somente a luta de classes ainda não é marxista, ainda pode se manter no marco do pensamento burguês e da política burguesa. Circunscrever o marxismo à teoria da luta de classes é limitar o marxismo, adulterá-lo, reduzi-lo a algo que a burguesia pode aceitar. Marxista só é aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado” (3). Depois, Lênin chegou a afirmar que só é marxista quem sente uma profunda admiração pelos “revolucionários burgueses” do passado (...).
As idéias de Marx e Engels se circunscreviam a um determinado período histórico e isto tornou necessária sua atualização. Entretanto, vários “marxistas” buscaram atualizar sua teoria (tanto nos vários campos acadêmicos, tais como economia, filosofia, geografia, sociologia, etc., quanto no que se refere à concepção política propriamente dita) e não somente Lênin. Não basta dizer que é necessário reconhecer a necessidade da “ditadura do proletariado”, pois é preciso definir o que é isto. A ditadura do proletariado é a autogestão ocorrida na Comuna de Paris e defendida por Marx em A Guerra Civil na França ou a ditadura do partido sobre o proletariado ocorrida na Rússia e defendida por Lênin? (4). A questão do partido, da ditadura do proletariado, entre outras, receberam várias “atualizações” e “aprofundamentos” por inúmeros “marxistas” da época de Lênin: Bernstein, Kautsky, Rosa Luxemburgo, Korsch, Pannekoek, Lukács, o “jovem Gramsci”, o “jovem Trotsky”, Bukhárin, etc. Não há nenhum motivo para que a pessoa de Lênin ser privilegiada como “continuadora do marxismo”, pois este critério é um critério, mas continua sendo não-marxista.
Não é graças a genialidade de Marx que se deve reivindicar do marxismo e o mesmo ocorre em relação aos seus epígonos e continuadores. O próprio Marx afirmou: “eu não sou marxista”, pois viu que suas teses já estavam sendo deformadas (5). Karl Korsch forneceu a definição mais coerente do marxismo: ele é a “expressão teórica do movimento operário” (6). Portanto, o marxismo ultrapassou a pessoa de Karl Marx, embora ele seja o primeiro e mais importante referencial. Suas teorias devem ser aprofundadas, atualizadas e algumas “revisadas” desde que continuem expressando a perspectiva do proletariado. É possível contestar o caráter revolucionário do proletariado e, por conseguinte, as idéias que expressam seus interesses históricos. Mas neste caso não há mais nenhum motivo para se autodenominar “marxista”.
Resta saber qual é o critério para definir quem consegue realizar uma expressão teórica do movimento operário. O critério é a prática. Qual foi a prática do bolchevismo? A aplicação prática da ideologia bolchevique resultou em quê? Por mais incrível que pareça, a bancarrota do capitalismo de estado da URSS não foi suficiente para nossos leninistas-trotskistas-mandelistas, entre outros, se convencerem de que o bolchevismo nada tem a ver com o marxismo.
Qual é a relação entre marxismo e anarquismo? Existe um anarco-marxismo? Como colocamos anteriormente, o marxismo não pode ser considerado como algo fora da história e separado das lutas de classes, pois defendemos a tese de que é necessário aplicar o materialismo histórico a ele mesmo (tal como exposto por Lukács e Korsch). As idéias de Marx e seus seguidores são um produto histórico de uma sociedade que se fundamenta em um modo de produção e uma classe social que é sua superação e constituição de um novo modo de produção. O marxismo é uma expressão teórica do movimento operário rumo à constituição da autogestão social. Portanto, é totalmente superficial comparar marxismo e anarquismo levando em conta apenas as idéias políticas sem analisar o caráter de classe das mesmas.
Se o caráter de classe do marxismo é proletário, então resta saber qual é o caráter de classe do anarquismo. Alguns “marxistas” já tentaram descobrir isto. Bukhárin, por exemplo, qualificou o anarquismo de ideologia do lumpemproletariado (7). O “marxismo”-leninismo é a ideologia do proletariado e o anarquismo é a ideologia do lumpemproletariado. Tal concepção é tão simplista quanto o “materialismo histórico”, positivismo travestido de dialética, de Bukhárin. Tal simplismo se revela, por exemplo, em colocar no mesmo barco tudo que se auto-intitula anarquismo: anarco-sindicalismo, anarco-comunismo, anarco-coletivismo, anarco-individualismo, anarquismo cristão, etc. Pensadores como Proudhon, Bakunin, Stirner, Kropotkin, Malatesta, Besnard, Joyeux, Tolstoi, Santillan, Reclus, com todas as suas diferenças se tornam “ideólogos do lumpemproletariado”. Não menos simplista é a tese de Leon Trotsky e outros bolcheviques, segundo a qual o anarquismo é uma ideologia pequeno-burguesa (8). Se existem elementos comuns nas mais diversas teses anarquistas, também existem elementos diferentes e até antagônicos. O anarco-sindicalismo, incluindo o de Joyeux, é uma ideologia da burocracia sindical. Aliás, seria bastante engraçado ouvir dizer que um sindicalista é um “lumpemproletário”. Já o anarco-individualismo pode ser considerado uma ideologia pequeno-burguesa. Em poucas palavras: assim como o marxismo, o anarquismo foi apropriado por diferentes classes ou frações de classes.
Marx se relacionou com dois pensadores que lançaram as bases do pensamento anarquista: Proudhon e Bakunin. Os “marxistas” bolchevistas (leninistas, trotskistas, stalinistas, etc.) só citam os textos em que Marx critica-os mas nunca os escritos em que os elogiam (isto sim é uma “seleção” tendenciosa de textos...). Marx disse sobre Proudhon: “(...) Proudhon submete a propriedade privada, base da economia política, a um exame crítico, ao primeiro exame categórico, tão impiedoso como científico por ele realizado, um progresso que revoluciona a economia política e torna possível, pela primeira vez, uma verdadeira ciência da economia política” (9). Os “marxistas” não-leitores de Marx não se cansam de absolutizar a crítica de Marx à Proudhon exposta em A Miséria da Filosofia. A relação entre Marx e Bakunin foi mais difícil e conflituosa, embora Marx estivesse mais próximo de Bakunin do que Proudhon em alguns pontos, principalmente no que se refere à questão da revolução (10).
As idéias de Bakunin e Proudhon não são tão distantes da de Marx quanto querem nos fazer crer os não-leitores destes três pensadores. As obras de Proudhon e Bakunin apresentam uma crítica fundamental da sociedade capitalista nascente e uma antecipação valiosa da sociedade comunista. Sem dúvida, eles são também os iniciadores da crítica da burocracia, tal como Marx, embora este não tenha colocado a mesma ênfase que Proudhon e Bakunin colocaram nesta crítica. A teoria da revolução de Proudhon e Bakunin deixa a desejar, devido, em parte, ao fato de que o movimento operário nos países onde eles atuavam ainda não ter dado seu grande salto e também por eles não compreenderem como a mesma nitidez que Marx o processo de produção e reprodução do capital e a dinâmica da luta operária neste processo. Marx avançou mais na teoria da revolução proletária por se basear na nação capitalista mais avançada de sua época: a Inglaterra. Esta análise é coerente com o materialismo histórico e não aquelas que se limitam a dizer que a “crítica da política” é uma característica do anarquismo e a “crítica da economia política” é uma característica do marxismo. Assim como se pode afirmar metafisicamente que a crença em Jesus Cristo é uma característica do cristianismo e a não-crença em sua vinda é uma característica do judaísmo e que, portanto, estas duas concepções religiosas são inconciliáveis. Assim, a história é abolida e juntamente com ela os elementos em comum das duas concepções, restando apenas as diferenças e a impossibilidade de conciliação. Assim, nega-se o anarquismo in toto, o que tem efeitos desastrosos para a prática política. Além disso, este procedimento é tipicamente não-marxista, pois leva em consideração apenas a consciência das pessoas, sendo que não se julga um indivíduo pela consciência que tem de si e, nesta abordagem não-marxista, as palavras bastam.
Portanto, a relação entre marxismo e anarquismo é bastante complexa. O marxismo autêntico e o anarquismo revolucionário não são contraditórios e certas correntes auto-intituladas “marxistas” ou “anarquistas” são expressões políticas de classes sociais ou frações de classes que não o proletariado, o que, em certos casos, provocam divergências graves, gerando um antagonismo seja ao marxismo autêntico seja ao anarquismo revolucionário. No entanto, o apego exagerado às tradições junto com mal entendidos e diferenças de linguagem provocam conflitos mesmo entre o marxismo autêntico e o anarquismo revolucionário. Mas o grande conflito ocorre, na verdade, entre o bolchevismo, deformação do marxismo, e o anarquismo revolucionário, tal como no caso da revolução russa, o que provocou o derramamento de sangue de autênticos revolucionários, dizimados pela burocracia pseudomarxista. Trotsky, ídolo de Carlos Moreira, por exemplo, foi um dos principais responsáveis pelo massacre dos camponeses na Ucrânia e dos marinheiros em Kronstadt.
Resta falar do “anarco-marxismo”, concepção que me foi atribuída por Carlos Moreira. Não tenho nada contra o uso de novas expressões para caracterizar concepções ou qualquer outra coisa, mas, retomando os princípios do materialismo histórico, se os conceitos são expressão da realidade, então os novos conceitos devem ser expressão de novas realidades. Caso contrário, novos conceitos são dispensáveis, sendo mera expressão de academicismo, ansioso por “novidades”, afinal, assim como mercado capitalista, a academia precisa de “modas” para incentivar o consumo literário.
O conceito de “anarco-marxismo” expressa alguma realidade nova? Claro que não. As teses dos comunistas conselhistas e Rosa Luxemburgo são diferentes das concepções anarquistas, embora existam semelhanças. Aqui a estratégia já é diferente: busca se enfatizar as diferenças e não as semelhanças mas voltaremos a isto mais adiante. Já existe um nome para retratar tais teses: conselhismo e luxemburguismo. No que se refere a Daniel Guérin, Pierre Ansart, Eric Vilain, que buscam unir marxismo e anarquismo, eles já se definem como “marxistas libertários”, “socialistas libertários” (pelo menos no caso de Guérin) e colocá-los como idênticos a Rosa Luxemburgo e os comunistas conselhistas significa apagar as diferenças para ressaltar apenas as semelhanças. O próprio Carlos Moreira reconhece as diferenças ao falar de anarco-marxismo que surge do “campo anarquista” e anarco-marxismo que surge do “campo marxista”. Num primeiro momento temos a diferença absoluta entre marxismo e anarquismo, depois a semelhança absoluta. Aqui temos a chave para compreender este empreendimento intelectual: Marx é radicalmente diferente dos anarquistas (tal como Lênin, Stálin, Trotsky...) e os conselhistas, Rosa Luxemburgo, etc., são extremamente semelhantes ao anarquismo, o que significa, devido a diferença radical vista entre Marx e os anarquistas, que os marxistas que se aproxima destes são mais anarquistas do que marxistas...
Carlos Moreira esboça o que ele considera os “fundamentos políticos do anarco-marxismo” e diz que irá demonstrar que eles estão presentes nos meus textos e busca refutá-los. O primeiro ponto é a “união de concepções anarquistas e marxistas”. Se o anarco-marxismo é uma corrente política que possui este fundamento, é preciso prová-lo. Nos escritos de Rosa Luxemburgo e dos comunistas conselhistas não se verá nada disso, aliás, Carlos Moreira não cita nenhum texto dos seus criticados, o que nos faz pensar que é um não-leitor de Rosa Luxemburgo e dos comunistas de conselhos e que realiza sua crítica baseando-se em fontes secundárias. Tal crítica perde o seu valor, pois as fontes, além de serem secundárias, é composta por opositores políticos que apresentam os aspectos escolhidos por eles com o objetivo explícito de criticá-los. É uma crítica que se baseia numa crítica já realizada e as possíveis falhas destas não são levadas em consideração por não se ter acesso às fontes primárias.
Quanto a minha tentativa de unir marxismo e anarquismo, Carlos Moreira não prova tal afirmação, pois a mera positividade que, segundo ele, vejo no anarquismo, não significa, por si mesma, uma tentativa de unir as duas correntes. A crítica da política que ele diz ter sido retirada do anarquismo foi produto, na verdade, da leitura de autores marxistas (Rosa Luxemburgo, Marx, Pannekoek, Robert Michels, João Bernardo, etc.), bem como da prática política e da observação da realidade e, principalmente dos valores e tudo o mais que constituem minha perspectiva teórica. É claro que Guérin, Bakunin e outros anarquistas também contribuíram com esta “crítica da política” – ou melhor, crítica da burocracia – mas tal contribuição foi assimilada pela perspectiva marxista, inserida no contexto do materialismo histórico.
Outra característica do anarco-marxismo, segundo Carlos Moreira, é o espontaneísmo com base no economicismo. Novamente o autor não comprova sua afirmação com a comparação com os escritos de Rosa Luxemburgo e dos comunistas conselhistas. Segundo ele, eu reproduzo esta concepção ao afirmar que a classe operária é revolucionária por sua condição econômica de classe. No entanto, não existe esta afirmação nos textos citados. Eu nunca disse que o proletariado é revolucionário por sua condição “econômica” de classe e sim por sua condição de classe, o que é muito diferente, pois ultrapassa os limites estreitos da repartição ideológica da realidade em elementos isolados, procedimento típico da divisão capitalista do trabalho intelectual, que são reificados e denominados como realidades autônomas, surgindo, assim, a realidade “econômica”, “política”, “social”, “cultural”, “lingüística”, etc.
Dizer que uma classe é revolucionária por razões econômicas é dar a impressão de que o problema é o salário, o nível de renda. Esta é uma concepção burguesa. A luta operária é contra o trabalho assalariado, contra a organização capitalista do trabalho, contra o estado capitalista, contra a ideologia dominante, etc. e isto dentro e fora das fábricas. Os operários não são agentes mecânicos do processo de produção e sim seres humanos que possuem um conjunto de necessidades e potencialidades que são reprimidas pelas necessidades do capital. O proletariado tem, no processo de trabalho, a negação da sua realização enquanto ser ativo e teleológico, a impossibilidade de objetivação devido ao processo de alienação. A luta de classes na produção não envolve apenas o salário e o nível de renda, mas a saúde psíquica, a cultura, a luta contra a exploração, a resistência cotidiana ao capital e sua ânsia de lucro que gera a busca incessante de aumento da exploração. Esta luta é complementada na sociedade civil, através das organizações operárias, da cultura operária, da resistência e luta no plano cultural e organizativo. Os operários são seres humanos que possuem um conjunto de necessidades e potencialidades que são negadas e reprimidas pelas relações de produção capitalistas e pela sociabilidade burguesa. Logo, não há nenhum “economicismo” em minha concepção.
A terceira característica do anarco-marxismo é negar o papel da vanguarda, do partido e do sindicato. Desta vez Carlos Moreira acertou. A ideologia da vanguarda é uma ideologia da burocracia (sindical e partidária) e tem como base uma concepção positivista. Tal concepção já foi criticada por Rosa Luxemburgo, pelo “jovem Trotsky”, por Pannekoek, e muitos outros. As experiências históricas comprovaram a veracidade da crítica e o caráter anti-proletário e anti-comunista destas ideologias vanguardistas.
A negação do partido de vanguarda, segundo Moreira, é justificada pela identificação entre bolchevismo e stalinismo, que acaba responsabilizando o primeiro pelo segundo, ou seja, pela deformação do “socialismo” da União Soviética. Aliás, a quarta característica do anarco-marxismo é a “negação das experiências socialistas e da revolução bolchevique”. O papel contra-revolucionário do “partido de vanguarda” não ocorreu apenas na URSS, mas também em outras experiências históricas, ditas “socialistas” e por isso sua recusa da nossa parte.
Além disso, a justificativa do nosso “trotskista-mandelista” para a deformação do “socialismo” na URSS é simplesmente economicista, no sentido de que são os fatores econômicos (no sentido burguês da palavra, isto é, o atraso “econômico” da Rússia) que provocaram a “burocratização” da URSS (na verdade, a implantação do capitalismo de estado).
Ernest Mandel, a referência citada por Moreira, não só faz uma análise economicista da URSS como tenta justificar a estratégia trotskista – fazer a revolução num país que não estava “maduro” para o socialismo – afirmando que “o mundo estava maduro para o socialismo”, tal como está exposto na escritura sagrada de Engels, o Anti-Dhuring, onde este afirmava que já no século 19 o mundo estava maduro para o socialismo. Porquanto não passa de um argumento de autoridade, como se Engels fosse o dono da verdade, isto não tem nenhuma validade política ou teórica. Mandel não faz nenhuma análise da economia mundial para comprovar a afirmação de Engels (o capitalismo estava maduro para o socialismo no século 19) ou a sua própria afirmação (o capitalismo amadureceu para o socialismo no século 20).
Carlos Moreira, com uma admirável simplicidade, acrescenta: “portanto, dizer que o bolchevismo é o responsável pela deformação do socialismo soviético é abandonar o método do materialismo histórico, pois isto só é possível separando-se as condições subjetivas das condições objetivas e assim colocar a ‘culpa’ na primeira’” (11). Eu poderia, utilizando a linguagem leninista das “condições objetivas e subjetivas”, inverter a afirmação: é Carlos Moreira que separa as “condições objetivas” das “condições subjetivas”, pois ele autonomiza o subjetivo – o bolchevismo – e com isso o isenta de toda responsabilidade e joga toda a culpa nas “condições objetivas”, também autonomizadas, que existem e se desenvolvem sem a ação humana (luta de classes, ação cultural). Eu não realizei nenhuma separação entre “condições objetivas e subjetivas” – dois construtos, falsos conceitos, produtos do positivismo leninista –, já que em um escrito anterior eu havia dito, e o próprio Moreira cita este trecho, que “o bolchevismo é uma expressão ideológica do atraso da Rússia czarista”. Foi a união das “condições subjetivas” (bolchevismo) e das “condições objetivas” (atraso da Rússia) que, juntamente com outras determinações menos importantes, provocou a formação do capitalismo de estado russo, pois “o concreto é o resultado de suas múltiplas determinações” (12). A determinação fundamental da formação do capitalista estatal russo, no entanto, foi o bolchevismo.
Moreira “refuta” a teoria do capitalismo de estado da URSS dizendo que lá não predomina a lei do valor e, como esta não existe, tal tese é “totalmente equivocada”. O nosso trotskista-mandelista complementa nos remetendo novamente à Mandel. Não basta afirmar que na URSS não predomina a lei do valor, é preciso fundamentar tal afirmação. Se Mandel também afirma (igualmente sem fundamentar) que a lei do valor não predomina(va) na União Soviética, isto não lhe dá o caráter de veracidade (13). Como não há espaço para comprovar que predomina a lei do valor na sociedade soviética, me limitarei a indicar dois autores que afirmam isto e o comprovam: Charles Bettelheim, em A Luta de Classes na URSS, e João Bernardo, em Para Uma Teoria do Modo de Produção Comunista, entre outros (14).
A quinta característica do anarco-marxismo é a identificação entre comunismo e autogestão e ela é complementada pela sexta e sétima características, a saber: a negação da necessidade de um “período de transição” e de um “estado de transição” entre capitalismo e comunismo. Não resta a menor dúvida de que comunismo é autogestão. As experiências históricas colocam que o período de transição e o estado de transição são, na verdade, produtos da contra-revolução burocrática e que o movimento operário demonstrou que entre capitalismo e comunismo não é necessário nenhuma “etapa de transição”. A concepção de uma “fase de transição” é ideológica e colocada em prática serve apenas para reproduzir o capitalismo sob a forma estatal ou criar um “modo de produção burocrático”, pois ela nega formalmente ou essencialmente o modo de produção capitalista mas não afirma o modo de produção comunista.
A autogestão não será instaurada num laboratório ou empresa isolados, segundo a crítica de Gerard Bloch. isto é correto. A autogestão inicia-se em determinados lugares com o desencadeamento do processo revolucionário mas só se concretiza com sua generalização em toda a sociedade, ou seja, com o fim deste processo. Logo, a crítica de Bloch é equivocada, pois no período revolucionário cria-se uma autogestão parcial, formando-se uma “dualidade de poderes”, que só com sua generalização a todas as relações sociais e com a conseqüente abolição do estado que se chega ao fim da revolução proletária e institui-se a autogestão generalizada.
A oitava característica do anarco-marxismo é a “negação de qualquer forma de participação na democracia burguesa”. Esta afirmação de nosso trotskista-mandelista é falsa, pois eu mesmo afirmei, num texto que ele cita, o seguinte: “a luta das esquerdas deve ser contra o capitalismo e ‘sua’ democracia. Isto não quer dizer que se deve abandonar definitivamente qualquer tipo de participação em tal ‘democracia’. Mas essa participação tem que estar subordinada aos interesses de classe do proletariado e que por isso tem como objetivo principal acirrar as contradições do capitalismo e colocar em evidencia o programa comunista. Contudo, deve-se deixar claro que a participação ou ‘não-participação’, assim como suas formas depende fundamentalmente do momento histórico e da estrutura econômica, política e cultural de cada país” (15).
Por conseguinte, Moreira inventa uma afirmação que não está no texto. Contudo, hoje, considero desnecessário e indesejável qualquer participação direta na democracia burguesa, principalmente a disputa eleitoral. Estou mais próximo do anarquismo hoje do que naquela época, bem como do conselhismo.
A crítica que Carlos Moreira faz da última característica do anarco-marxismo – seleção de obras de Marx e Engels e de teóricos aceitáveis pela doutrina – é destituída de sentido. Um autor escreve coisas que ele mesmo passa a discordar posteriormente, ou seja, ele mesmo “seleciona” seus escritos. Toda leitura é “seletiva”, principalmente no que se refere a um autor do século 19, que abordou questões variadas e complexas. A seleção que o nosso trotskista-mandelista diz que eu fiz dos textos de Marx – segundo ele utilizei os escritos de juventude e os escritos “econômicos” da maturidade – não é verdadeira pois utilizo outros escritos de Marx, considerados “históricos” e “políticos” da maturidade e a minha tese é justamente da unidade do pensamento de Marx (16).
Aliás, é Carlos Moreira que seleciona os escritos do “Marx da maturidade” e nega os do “jovem Marx”, que, segundo ele, são os preferidos dos “marxistas idealistas”. Se eu seleciono os demais teóricos que utilizo, Carlos Moreira faz o mesmo (tanto é que nega as contribuições dos anarquistas, stalinistas, reformistas e “anarco-marxistas”) e isto quer dizer que não é característica exclusiva minha e sim de todos os pensadores e militantes políticos. Logo, tal crítica também é destituída de sentido.
A crítica mandelista da tese de Erich Fromm, mais um exemplo de seleção de textos, é, novamente, economicista. A afirmação de que Marx abandonou a idéia de uma natureza humana alienada é equivocada, mas o equívoco maior reside na afirmação de que em O Capital o conceito de alienação se refere à “mutilação do operário”, ou seja, uma forma histórica de alienação. Isto significa uma redução do operário a mera “condição operária”. O capital transforma o operário em mero “vendedor da força de trabalho”, em uma categoria “econômica”, e Lênin, Trotsky, Mandel e Moreira elaboram a ideologia que o limita à condição de mercadoria, de coisa. A coisificação real do operário é feita pelo capital e é reforçada pela sua coisificação ideológica realizada pelos “comunistas”.
Ernest Mandel faz uma tremenda confusão: “se a alienação, verdadeiramente, é fundada na natureza do trabalho e se este é indispensável à sobrevivência do homem – como Marx precisará mais tarde numa carta a Kugelmann – então a alienação jamais será sobrepujada” (17). Em primeiro lugar, Mandel deixa claro que quer o fim da alienação mas, se ela se fundamenta no trabalho, e este é indispensável, então a alienação nunca será superada. Mandel parece sugerir a seguinte solução: façamos de conta que a alienação não tem nada a ver com a “natureza do trabalho” e adaptemos, assim, a realidade à nossa vontade, pois com isso “resolveremos” (na imaginação) o problema. Em segundo lugar, Marx e Fromm disseram que todas as formas de alienação têm seu fundamento na alienação do trabalho. Isto quer dizer que o fundamento da alienação é o trabalho (alienado). O trabalho assalariado é um trabalho alienado. Entretanto, nem todo trabalho é alienado. Se os nossos não-leitores (ou mal-leitores como Mandel) de Marx tivessem lido os Manuscritos de Paris, saberiam que ele separava o trabalho enquanto objetivação do trabalho enquanto alienação (18).
O nosso trotskista-mandelista afirma que eu retirei a aplicação da metáfora de Heine ao caso de Marx do texto do anarquista Alexandre Skirda. Embora eu conhecesse tal utilização e uma outra de Guérin, não foi daí que me surgiu a idéia. Moreira diz que “é sintomático que utilize a ironia retirada de uma coletânea de artigos rancorosos e caluniadores de Marx. O anarco-marxismo nunca se torna totalmente marxista” (19). Utilizar uma ironia de um anarquista é sintoma da doença de não ser “totalmente marxista”. Se ser “totalmente marxista” é ser acrítico e anti-irônico, prefiro não sê-lo. Mas, na verdade, eu retirei esta metáfora de Heine foi de um dos “quatro clássicos do marxismo”, muito querido pelos nossos “trotskistas-mandelistas”. Ela foi retirada de Friedrich Engels: “todos esses senhores fazem marxismo, mas do mesmo tipo que você conheceu na França, há dez anos, quando Marx dizia a propósito: ‘tudo que eu sei, é que marxista, eu não sou!’ e, provavelmente, diria desses senhores o que Heine disse dos seus imitadores: ‘semeei dragões e colhi pulgas’” (20). Vê-se que não existe nem doença nem sintoma. O que existe são pulgas derivadas de dragões.
A crítica geral de nosso trotskista-mandelista ao anarco-marxismo é que sua concepção política leva ao imobilismo político. A teoria e a prática de Rosa Luxemburgo e comunistas conselhistas, entre outros representantes do marxismo autêntico, demonstram o equívoco destas afirmações. Sobre a questão da eficácia, devemos reconhecer que o leninismo e seus derivados foram em alguns momentos eficazes, mas para realizar a contra-revolução. O conselhismo não é vanguardista e por isso não pode e não deve ter a eficácia como critério fundamental, principalmente recordando que o seu princípio é o mesmo apontado por Marx: a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores. O conselhismo, juntamente com todas as tendências revolucionárias, só se tornam mais “eficazes” quando o movimento operário se levanta e autonomiza, se livrando de suas “vanguardas” e são nestes momentos históricos que ele se fortalece e se funde com o movimento real dos trabalhadores.
Para encerrar, farei uma crítica geral ao nosso trotskista-mandelista. Utilizar teses conservadoras como a do partido de vanguarda, período de transição, estado operário, consciência de classe que vem de fora, entre outras, é aderir a ideologia da burocracia. Isto significa abandonar a perspectiva do proletariado e realizar uma verdadeira “deformação do marxismo”. Também posso dizer que o trotskismo-mandelista é superior ao stalinismo e ao reformismo, mas isto não é suficiente. Além disso, utilizar teses de Trotsky é o mesmo que tentar reanimar “peças de museu”. Uma última crítica: as nove características que Carlos Moreira vê no “anarco-marxismo” estão presentes, em sua maior parte, em Daniel Guérin, mas não nos outros que ele busca criticar sem conhecer (Rosa Luxemburgo, comunistas de conselhos). Assim, não se pode dizer que estes últimos possam ser considerados anarco-marxistas. É necessário respeitar as diferenças e evitar os equívocos e injustiças e para isso é fundamental recorrer às fontes. Existe, sem dúvida, um anarco-marxismo, que é o de Guérin e outros, mas este não é o meu caso e nem o de Rosa Luxemburgo e dos comunistas conselhistas. Por conseguinte, qualquer crítica ao luxemburguismo e/ou conselhismo deve ir além da mera comparação com o anarquismo e da estratégia de querer desacreditá-los devido as semelhanças, reais ou ilusórias (as realmente existentes ou as inventadas por nossos ideólogos). Isto Carlos Moreira não fez. Só nos resta agora esperar a autocrítica de Carlos Moreira e o seu reconhecimento que o trotskismo é que é uma deformação do marxismo. Mas a crítica de Moreira também tem um aspecto positivo, que é o de recolocar a necessidade de uma discussão acerca das relações entre marxismo autêntico e anarquismo revolucionário, que sempre se unem nos momentos revolucionários. Agora só nos resta esperar que os esclarecimentos do presente texto sirvam para avançar na compreensão do verdadeiro caráter do marxismo.

Notas
1- MOREIRA, Carlos. Crítica ao Anarco-Marxismo. Contra Nildo Viana e a Deformação do Marxismo. In: http://www.polemos.hpg.com.br/moreira01.html acessado em abril de 2003.
2 - NETTO, José Paulo. O Que é Marxismo. São Paulo, Brasiliense, 1981.
3 - LÊNIN, W. O Estado e a Revolução. São Paulo, Global, 1987, p. 79.
4 - Cf. MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo, Global, 1986; LÊNIN, W. Estado, Ditadura do Proletariado e Poder Soviético. Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1988; BRINTON, Maurice. Os Bolcheviques e o Controle Operário. Porto, Afrontamento, 1977.
5 - Um dos primeiros deformadores foi Kautsky, inspirador de Lênin...
6 - KORSCH, Karl. Marxismo e Filosofia. Porto, Afrontamento, 1977.
7 - BUKHÁRIN, N. Tratado de Materialismo Histórico. Rio de Janeiro, Laemmert, 1970.
8 - BLOCH, Gerard & TROTSKY, Leon. Marxismo e Anarquismo. São Paulo, Kairós, 1981.
9 - MARX, Karl. Proudhon. In: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Sagrada Família. Lisboa, Presença, p. 47. Sobre as relações políticas e teóricas entre Marx e Proudhon veja: MOTTA, Fernando P. Burocracia e Autogestão. São Paulo, Brasiliense, 1981.
10 - GUILLERM, Alan & BOURDET, Yvon. Autogestão: Mudança Radical. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
11 - MOREIRA, C. ob. cit.
12 - Cf. MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2ª edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983; VIANA, Nildo. Escritos Metodológicos de Marx. 2ª edição, Goiânia, Edições Germinal, 2001; VIANA, Nildo. A Questão da Causalidade nas Ciências Sociais. Goiânia, Edições Germinal, 2001.
13 - MANDEL, Ernest. Além da Perestroika. 3ª edição, Rio de Janeiro, Busca Vida, 1989.
14 - BETELHEIM, Charles. As Lutas de Classes na URSS. 2 vols. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979; BERNARDO, João. Para Uma Teoria do Modo de Produção Comunista. Porto, Afrontamento, 1975; cf. também: VIANA, Nildo. O Capitalismo de Estado da URSS. Revista Ruptura. Ano 01, nº 01, maio de 1993. Mas para que não se pense que apenas os críticos do capitalismo estatal afirmam a existência da “lei do valor” nos países que vivem sob este regime, basta olhar na produção dos seus ideólogos para ver isto (cf. entre outros: SUNG, Kim Il. Teoria da Construção Econômica do Socialismo. Lisboa, Edições Maria da Fonte, 1976), pois em suas ideologias eles colocam isto explicitamente, buscando justificar a permanência da “lei do valor” no “socialismo”.
15 - VIANA, Nildo. A Democracia Burguesa como Valor Universal. Brasil Revolucionário. Ano 2, nº 8, abril de 1991, p. 16
16 - Cf. VIANA, Nildo. Do “Jovem Marx” ao “Marx da Maturidade”. Teoria & Práxis. Nº 03, Novembro de 1991.
17 - MANDEL, Ernest. A Formação do Pensamento Econômico de Karl Marx. Rio de Janeiro, Zahar, 1968, p. 169.
18 - MARX, K. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. In: FROMM, Erich. Conceito Marxista do Homem. 8ª edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1983.
19 - MOREIRA, C. ob. cit.
20 - ENGELS, Friedrich. Carta a Paul Lafargue. In: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Sobre Literatura e Arte. 4a edição, São Paulo, Global, 1986, p. 37.

URL:: http://webs.demasiado.com/nildo/

Invitado

Mensaje por Invitado » 17 Ene 2005, 09:57

Um apanhado geral sobre a relação entre marxismo e anarquismo pode ser visto no Ebook que acaba de ser incluído no site da ebooksbrasil:
http://www.ebooksbrasil.com/nacionais/i ... bateanarco
Debate Sobre Marxismo e Anarco-Marxismo - Carlos Moreira e Nildo Viana - Edições Saber
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"Qual a razão da publicação destes textos nos dias de hoje? Em primeiro lugar, a contribuição a um debate que ainda é atual, referente ao marxismo, ao socialismo, ao problema da democracia burguesa e do anarquismo. Em segundo lugar, a disponibilização de textos que hoje são de difícil acesso – no caso, os dois primeiros, embora os outros textos, disponibilizados na Internet, também não são tão facilmente acessíveis e precisam, para um julgamento mais adequado, da acessibilidade dos dois anteriores. Em terceiro lugar, esta é uma coletânea em construção, no qual, caso haja desdobramentos do debate, novos ensaios poderão ser crescentados, criando uma idéia de inacabamento do debate, sempre prosseguindo e colocando em questão novos pontos de vistas, novos aspectos, novas questões." - Nildo Viana
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